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segunda-feira, 18 de novembro de 2024

VICTOR HUGO

BAILE FUNK




Sou cria da comunidade

lá pude ver de verdade

o que não foi noticiado

de corpos humanos destroçados.


O som da guerra nos deixa abalados.

Desesperadas, as crianças se escondem

embaixo da mesa ou atrás do armário.

Enquanto o jornal nos anestesia sorridente

dizendo que a polícia já se foi,

é que recomeça a macabra orquestra

do tormento cruzado.




Quando eu era menino a aula era paralisada.

A mesa do almoço virava barricada.

Hoje nada mudou, nada.

A polícia não faz seu papel

Agride, mata, trata de forma cruel

Seja quem for - bandido ou morador -

Todos são alvo de seu ódio e rancor.


Cheiro queimado de pneu e gente.

Meu irmão foi morto sendo inocente.

Seu direito de ser ouvido foi silenciado.

Pelo tribunal do tráfico foi sentenciado.

Assassinado.


Dentro de casa eu era agredido,

- na voz e porrada - Não via sentido.

Por ser diferente? Um desviado?

Ajoelhado em lágrimas, eu procurava

o tal pecado.




Sou cria da comunidade

lá pude ver de verdade

o que não foi noticiado

de corpos humanos destroçados.




Quando menino eu fui dormir com a ceia

de natal comida só na imaginação.

Era um punhado de arroz

só com um cheirinho de feijão.

Coloquei meu sapato na janela

E amanheci caçando o presente

que Noel não deixou na favela.




Por ser quem sou, me vi ensanguentado.

Rua!...

Pra fora de casa fui jogado.

Aonde eu devia ser acolhido fui desprezado.

No morro busquei refúgio.

Decidi seguir viagem.

Pelo abrigo fiz passagem.

Conheci outras existências.

Excluídas elas me contaram suas resistências.

Achei na poesia uma saída.

Nos livros e educação vi perspectiva.



Cunhei histórias sentidas

Com fé e com o sangue de memórias vividas.


Sou um exilado em minha própria nação,

onde minha voz não ganha atenção.

Onde me julgam por ser homossexual.

Onde meu escrito

é um estridente grito animal.


Nas ruas há muitos exilados

Dormem na suja lixa do chão gelado

Carregam consigo um pano, um lençol,

um papelão na bagagem.

Passageiros invisíveis vivendo na margem.


Sou cria da comunidade

lá pude ver de verdade

o que não foi noticiado

de corpos humanos destroçados.

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