BAILE FUNK
Sou cria da comunidade
lá pude ver de verdade
o que não foi noticiado
de corpos humanos destroçados.
O som da guerra nos deixa abalados.
Desesperadas, as crianças se escondem
embaixo da mesa ou atrás do armário.
Enquanto o jornal nos anestesia sorridente
dizendo que a polícia já se foi,
é que recomeça a macabra orquestra
do tormento cruzado.
Quando eu era menino a aula era paralisada.
A mesa do almoço virava barricada.
Hoje nada mudou, nada.
A polícia não faz seu papel
Agride, mata, trata de forma cruel
Seja quem for - bandido ou morador -
Todos são alvo de seu ódio e rancor.
Cheiro queimado de pneu e gente.
Meu irmão foi morto sendo inocente.
Seu direito de ser ouvido foi silenciado.
Pelo tribunal do tráfico foi sentenciado.
Assassinado.
Dentro de casa eu era agredido,
- na voz e porrada - Não via sentido.
Por ser diferente? Um desviado?
Ajoelhado em lágrimas, eu procurava
o tal pecado.
Sou cria da comunidade
lá pude ver de verdade
o que não foi noticiado
de corpos humanos destroçados.
Quando menino eu fui dormir com a ceia
de natal comida só na imaginação.
Era um punhado de arroz
só com um cheirinho de feijão.
Coloquei meu sapato na janela
E amanheci caçando o presente
que Noel não deixou na favela.
Por ser quem sou, me vi ensanguentado.
Rua!...
Pra fora de casa fui jogado.
Aonde eu devia ser acolhido fui desprezado.
No morro busquei refúgio.
Decidi seguir viagem.
Pelo abrigo fiz passagem.
Conheci outras existências.
Excluídas elas me contaram suas resistências.
Achei na poesia uma saída.
Nos livros e educação vi perspectiva.
Cunhei histórias sentidas
Com fé e com o sangue de memórias vividas.
Sou um exilado em minha própria nação,
onde minha voz não ganha atenção.
Onde me julgam por ser homossexual.
Onde meu escrito
é um estridente grito animal.
Nas ruas há muitos exilados
Dormem na suja lixa do chão gelado
Carregam consigo um pano, um lençol,
um papelão na bagagem.
Passageiros invisíveis vivendo na margem.
Sou cria da comunidade
lá pude ver de verdade
o que não foi noticiado
de corpos humanos destroçados.
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